sábado, 8 de março de 2025

APOSTILA VOLUME 10 OS PROFETAS MAIORES DA BÍBLIA

 

Pastor Professor : Carlos Alberto C da Silva Mestre em psicologia, Psicanalise, Bacharel em Teologia, Graduado em Filosofia, Graduado em História, Graduado em Pedagogia, Pós graduado em Docência do Ensino Superior, Pós graduado em Gestão e Administração Escolar ABD...

Contato (11)95725-5927

ASSEMBLEIA DE DEUS 2010

INTRODUÇÃO AOS PROFETAS

O conceito de profecia é introduzido no Antigo Testamento pelo relacionamento entre Moisés e Arão. Quando Moisés se recusou a falar, Arão foi designado por Deus como o porta-voz de Moisés

(Êx 4.12-16); Arão seria a “boca” de Moisés para falar por ele. Mais tarde, o papel de Arão é descrito como o de “profeta” de Moisés (Êx 7.1-2).

Da mesma forma, o profeta de Deus é aquele que transmite as palavras de Deus. Embora Deus não seja incapaz de falar, como o demonstram os episódios da sarça ardente; da entrega da Lei no Sinai e da voz suave ouvida por Elias, ele escolheu enunciar as suas palavras ao seu povo através da voz de seres humanos, que são os seus agentes de revelação.

A profecia do Antigo Testamento não é obscura ou caótica e não conduz o povo por caminhos egoístas, ocultos e destrutivos. Como a voz de Deus, os profetas exortavam, ameaçavam e encorajavam as pessoas.

A história da profecia do Antigo Testamento é geralmente dividida em três períodos principais.

1- Os profetas que exerceram o seu ministério durante os primeiros anos da monarquia em Israel e em Judá nos são conhecidos somente pelo que deles se registrou nos livros históricos.

2- Profetas muito importantes para a história de Israel, como Samuel,

Natã, Elias e Eliseu, pertencem a esse período “pré-clássico” da profecia israelita. Como eles não registraram suas profecias em livros separados, esses profetas são, em geral, lembrados mais pelos seus feitos do que por suas palavras, o período “clássico” da profecia israelita, compreendido entre os séculos VIII e VII a.C., conheceu as primeiras coleções de oráculos registrados, durante esse período, os profetas parecem agrupar-se ao redor de duas grandes crises: A queda de Israel diante dos assírios (Amós e Oséias, em Israel; Isaías e Miquéias, em Judá e a queda de Judá) diante dos babilônios (Sofonias, Naum, Habacuque e Jeremias).

3- Por último, os profetas “exílicos” e “pós-exílicos” proclamaram a palavra de Deus ao povo durante os obscuros anos do exílio na Babilônia (Ezequiel e Daniel) e durante o período da restauração de Judá na Palestina (Ageu, Zacarias e Malaquias).

Da mesma forma que João Batista tinha seus discípulos (Lc 7.19; Jo 1.35-37; cf. At 19.1-5), os profetas do Antigo Testamento eram igualmente assistidos por servos (1Rs19.19-21; 2Rs 5.20) e acompanhados por grupos proféticos chamados de “os discípulos dos profetas” (2Rs 2.3-7,15; 4.38; 6.1-3; 1Sm 10.10-12).

Um fato notável dos livros proféticos é que eles, muitas vezes, se constituem em coletâneas de passagens curtas, cuja conexão única advém do fato de terem sido proferidas pelo mesmo profeta. Há pouca narrativa ou escritos que fazem a transição no texto, e a sua referência histórica original pode ser difícil, se não impossível, de ser recuperada.

Os livros proféticos foram originalmente escritos em pergaminhos individuais, muito antes que a produção de livros extensos numa única unidade física fosse possível. Não é de surpreender, portanto, que a ordem dos livros proféticos no cânon final das Escrituras apresente alguma variação. O cânon do Antigo Testamento aceito pelas igrejas protestantes é idêntico em conteúdo à Bíblia

Hebraica, apesar das diferenças quanto à ordem dos livros. Na Bíblia Hebraica,

Lamentações de Jeremias e Daniel (o último dos “profetas maiores” no cânon protestante) estão incluídos entre “os Escritos”, juntamente com Jó, Salmos e outros livros, especialmente Esdras e Neemias, que se ocupam do mesmo período histórico.

Em geral, como os livros do Novo Testamento, a ordem dos livros proféticos é um consenso de considerações quanto à extensão, data e autoria dos livros.

Isaías, Jeremias e Ezequiel, obviamente os “profetas maiores”, são listados em ordem cronológica no início da coleção. Os livros relativamente curtos dos doze “profetas menores” (tidos, em conjunto, como um único livro na Bíblia Hebraica) seguem os primeiros sem uma ordem cronológica rígida.

Capítulo 1 Introdução ao Estudo do Livro de Isaías

1.1 Isaías, o Homem

Entre a “santa companhia dos profetas”, Isaías destaca-se como uma figura majestosa. Pela elevação e originalidade do seu pensamento, bem como pela qualidade superlativa do seu estilo, é único no Velho Testamento. Nenhum outro profeta há tão digno como ele de ser chamado “o profeta evangélico”. O seu nome significa “Jeová Salva” ou “Jeová é Salvação” e, em dias de crise e catástrofe sem precedentes na história do seu povo, exortava constantemente à fé n'Aquele que é o único que nos pode livrar. Em horas em que a esperança parecia morta, era uma inspiração e um repto para a coragem desfalecida dos homens de Judá: O seu ministério foi longo, desde a sua chamada à missão profética no reinado de Uzias, rei de Judá, através dos reinados de Jotão, Acaz e Ezequias, com um possível interlúdio de serviço no tempo de Manassés. Durante todos estes anos revelou-se um estadista que lia o significado geral dos acontecimentos nos grandes problemas políticos da época e também um profeta verdadeiramente designado e escolhido pelo Senhor para proclamar o propósito divino com convicção inabalável e coração ardente.

O nome de seu pai era Amós (Is 1.1; 2.1), segundo uma tradição judaica irmão do rei Amazias; nesse caso, Isaías seria primo do rei Uzias. Influências Formativas

A influência mais destacada e mais perdurável na vida de Isaías foi, sem dúvida, a sua chamada pessoal e direta ao ministério profético dentro do recinto do templo depois da morte de Uzias. Este acontecimento é registrado com uma beleza e um brilho tais que indicam claramente a forte influência que essa visão exerceu sobre ele através de todo o seu ministério.

Provavelmente nada há em toda a literatura dos povos do Oriente que exceda a grandeza e dignidade deste trecho imortal, em Is 6. Ao entrar no recinto do templo, depara-se, de súbito, ao jovem Isaías esta visão solene e aterrorizadora: o Senhor nas alturas, o séquito celeste, os místicos serafins, o “chequiná” da santidade, a voz anunciando ao profeta, prostrado perante a majestade, assim revelada a missão de que era incumbido. No meio duma cena política conturbada e incerta, ele contempla, com todo o poder de uma revelação direta, o Senhor Deus entronizado nas alturas, e doravante pousa sobre ele o selo da Sua ordem. Não havia que fugir daí. Embora isso significasse que o profeta iria levar aos povos do seu tempo uma mensagem que não receberiam, não havia que fugir à glória da revelação assim outorgada. Foi deste modo que Isaías saiu do templo com uma nova visão e uma nova noção dos altos e santos perigos da missão que lhe fora confiada e da incumbência que ficava a seu cargo.

Isaías pôde trazer à tarefa que foi chamado a desempenhar um dom extraordinário, uma felicidade de expressão e uma penetração que, sob a mão de Deus, se deveriam transformar no veículo das verdades mais íntimas e profundas da revelação. Assim, equipado de forma única para o ministério a que era chamado, e preparado na escola da experiência para a prova que se avizinhava, no ano em que o rei Uzias morreu e em que o trono havia tanto ocupado com tal distinção, vagou uma vez mais, o profeta estava pronto para a alta missão do Senhor transcendente nas alturas, e não desobedeceu à visão celestial.

Os Reis da Judéia Durante a Vida de Isaías

Isaías nasceu no reinado do bom rei Uzias, e foi no último ano da vida desse monarca que recebeu a chamada ao ministério profético. Por consenso geral, o caráter de Uzias era exemplar, mostrando em tudo um espírito de verdadeira piedade e desejo de honrar as coisas de Deus, embora, nos seus últimos anos, o rei fosse atacado de lepra devido a um ato de orgulho

(II Cr 26.16-21).

Depois dele, subiu ao trono Jotão, seu filho, que já fora regente durante o isolamento de Uzias. Trilhou as mesmas veredas que seu pai, e sob o seu cetro o povo continuou a adorar o Senhor Jeová de acordo com os mandamentos, embora se permitisse que continuassem os “aserim” e locais onde se praticava a idolatria. Um observador superficial julgaria ver provas de devoção verdadeira e profunda, mas, na realidade, não era assim. Por toda a parte alastravam rápida e espontaneamente o luxo e a sensualidade, não sendo de surpreender que, em tal ambiente, o espírito da verdadeira piedade entrasse em rápido declínio.

Seguiu-se-lhe Acaz, cujo reinado foi, de princípio a fim, uma autêntica crônica de catástrofes e de destruição (II Rs 16). Impetuosamente, Acaz empenhou-se em derrubar a forma estabelecida de adoração, quebrou os mandamentos em quase todos os seus pormenores, impediu a adoração no templo e acabou por fechar as portas da Casa de Deus.

Depois, veio Ezequias. Ao contrário de seu pai, Ezequias procurou de muitas formas restaurar a adoração no santuário; fez todos os esforços para abolir a idolatria e para libertar o povo que governava do poder do domínio estrangeiro. No seu reinado, começou-se a fazer justiça a Isaías, que passou a ser considerado com grande favor, sendo-lhe dadas todas as oportunidades de aplicar as suas penetrantes e divinamente inspiradas faculdades de discernimento à análise dos fatos da situação sua contemporânea. Mas as sementes da loucura passada da nação começavam agora a dar fruto, e era já tarde demais para pôr em prática reformas eficazes e salutares. Estava próximo o derrubamento de Judá, acontecimento havia muito profetizado par Isaías e que nada poderia deter.

A glória da vida de Isaías é que não se esquivou ao problema quando recebeu a chamada. Através de todos aqueles anos sombrios, enquanto a nação caminhava sem parar e com rapidez crescente para o abismo e para a catástrofe, ele continuou a proclamar a mensagem do Senhor, mantendo-se firme como uma rocha da verdade no meio das marés e redemoinhos da infidelidade e irreligião do mundo.

Sumário da evidência

A favor de uma autoria dividida, vimos que o livro não contém qualquer evidência diretamente explícita que prove ter sido inteiramente escrito pelo próprio profeta; que os capítulos 40 a 66 em parte alguma reivindicam a autoria de Isaías, e que apresentam o exílio, não só como um acontecimento transato, mas também como próximo do seu fim, com Ciro prestes a provocar a queda da Babilônia. Além disso, a restante evidência existente, como linguagem e estilo, teologia e ponto de vista da mensagem do profeta, de forma alguma entra em conflito com a teoria de uma data ulterior. Há um outro problema para o qual alguns estudiosos chamaram a atenção, o de uma teoria demasiado mecânica da inspiração, que põe o profeta a escrever acerca de coisas sem relação com o seu tempo e a falar do Servo sofredor de Deus como Alguém muito distante da cena contemporânea.

Embora seja assim, permanece o fato que “a aceitação quase unânime, durante vinte e cinco séculos, da autoria de Isaías para todo o livro conhecido pelo seu nome só pode ser explicada pelo fato de tal opinião estar plenamente de acordo com o conceito da profecia apresentado na Bíblia em geral” (O. T. Allis, “The Unity of Isaiah”, página 122). Se aceitar a predição como elemento fundamental da mensagem do profeta; se ao dirigir-se aos seus contemporâneos, ele aponta para Aquele que deveria nascer; e se, para ilustrar os poderosos movimentos providenciais da história, Deus o faz ver antecipadamente o que vai suceder para que ele possa pregar com maior efeito ao seu povo, e também para que a crônica de épocas subsequentes possa autenticar a mensagem profética então é inevitável concluir que o livro de Isaías é indivisível. Características e Temas

Isaías serviu a Deus desempenhando o papel de promotor de justiça da aliança. A sua mensagem é constituída de acusações, condenações e julgamentos, pois ele declara a maldição de Deus sobre Israel, Judá e as nações (1.2-31; 1323; 56-57; 65). O relato autobiográfico de Isaías do seu chamado para tornarse um mensageiro da corte celestial de Senhor encontra-se no capo 6.

Quando Isaías foi convocado a representar a corte celeste junto à corte terrena de Jerusalém, ele descobriu, para a sua própria consternação, que Deus não o estava enviando para salvar Israel, mas para endurecer os seus corações impenitentes (6.9-10). Isaías devia apresentar ao povo a acusação do Senhor de que eles eram infiéis e rebeldes (1.2-3; 31.1-3; 57.3-10).

O povo de Deus havia se tornado como as demais nações em seu orgulho, sarcasmo e egoísmo. Eles haviam perdido a perspectiva de justiça, de amor e de paz, características do reino de Deus, e tentaram estabelecer o seu próprio reino. O profeta também desempenha o papel de advogado.

Ele exorta os piedosos a buscarem o Senhor, a aguardarem pelo reino de Deus, a experimentarem eles mesmos a paz de Deus e a responderem com fé aos novos atos divinos de redenção. A aliança do Senhor termina com bênçãos sobre Israel, não maldições (Dt 30.1-10). Ao final, um remanescente piedoso sobreviverá ao julgamento.

A primeira parte do livro, caps. 1-35, enfoca o julgamento de Deus sobre Israel através da Assíria; a segunda, cap. 40-66, o retorno do remanescente do exílio na Babilônia e sua libertação final no futuro distante (36.1-39.8 para uma conexão entre essas duas partes). A segunda parte, como a primeira, iniciase com uma visão da corte celestial. Isaías ouve furtivamente Deus enviando mensageiros para anunciar que o castigo de Israel já foi pago e que terá fim (40.1-8). A visão que Isaías tem do reino de Deus é grandiosa, pois inclui a história da redenção desde os seus dias até alcançar a plenitude da salvação. Ela abarca o exílio, à volta dos judeus do exílio, a missão, o ministério e o reino de Jesus Cristo, a missão e a esperança da Igreja, o governo atual de Jesus sobre este mundo e a restauração de todas as coisas em santidade e justiça.

Isaías era mestre em sua língua e utilizou imagens e vocabulário muito ricos: Muitas das palavras e expressões de que faz uso não são encontradas em nenhuma outra parte do Antigo Testamento. As imagens retóricas do seu livro mostram que ele conhecia as tragédias da guerra (63.1-6), as injustiças da alta sociedade (3.1-17) e os fracassos da agricultura (5.1-7).

Isaías era um pregador de talento. Através de sua imaginação poética e estilo retórico, ele expôs a loucura de fiar-se nas estruturas humanas em contraste com a sabedoria de confiar no reino de Deus. Embora os infiéis sejam insensíveis ao Senhor (6.10), os oráculos proféticos de Isaías levam os piedosos a responderem a Deus com reverência e louvor. O Livro de Isaías ante o Novo Testamento

Isaías profetiza a respeito de João Batista como aquele destinado a ser o precursor do Messias (Is 40.3-5; Mt 3.1-3).

Seguem-se muitas de suas profecias messiânicas sobre a vida e ministério de Jesus Cristo:

• sua encarnação e divindade (Is 7.14; Mt 1.22,23 e Lc 1.34,35; Is 9.6,7; Lc

1.32,33; 2.11);

• sua juventude (Is 7.15,16 e 11.1; Lc 3.23,32 e At 13.22,23);

• sua missão (Is 11.2-5; 42.1-4; 60.1-3 e 61.1; Lc 4.17-19,21);

• sua obediência (Is 50.5; Hb 5.8);

• sua mensagem e unção pelo Espírito (Is 11.2; 42.1; e 61.1; Mt 12.15-21); • seus milagres (Is 35.5,6; Mt 11.2-5);

• seus sofrimentos (Is 50.6; Mt 26.67 e 27.26,30; Is 53.4,5,11; At 8.28-33);

• sua rejeição (Is 53.1-3; Lc 23.18; Jo 1.11 e 7.5);

• sua humilhação (Is 52.14; Fp 2.7,8);

• sua morte expiatória (53.4 - 12; Rm 5.6);

• sua ascensão (Is 52.13; Fp 2.9 -11); e,

• sua segunda vinda (Is 26.20,21; Jd v. 14; Is 61.2,3; 2Ts 1.5-12; Is 65.1725; 2Pe 3.13).

Profecia Acerca do Nascimento de Cristo e Acerca do Reino (9.1-7).

Estas palavras constituem o ponto culminante de tudo o que as precede e, nesta visão de um Rei justo e próspero que domina um povo emancipado e liberto de terrível servidão, temos uma realização apropriada e comovente dos quadros precedentes de castigo e queda. No meio do castigo, como Isaías sempre lembra aos seus ouvintes, Existe promessa e a certeza de livramento enviado pelo próprio Deus, tanto assim que até as regiões que mais sofreram são as que mais se regozijarão na salvação do Senhor (1-2). Trata-se de uma das passagens mais comoventes das Escrituras.

Começando com a chamada ao povo para que se regozije por raiar um novo dia para as nações oprimidas da terra (3-4), o profeta passa a mostrar como isto se realizará. O rei desejado e esperado por todo Israel vem encetar o Seu reino e toda a terra conhecerá o poder do Seu domínio e a inspiração do Seu governo salvador e redentor (6-7). A paz (7) será o traço dominante desse reinado; os adereços e armas de guerra “servirão de pasto ao fogo” (5). Tão grande e poderoso é este rei futuro que um único título de majestade não basta para descrevê-lo, e entre os muitos nomes significativos que Lhe são dados figura o de “Deus Forte” (6). Estas palavras encontram-se no próprio âmago de uma das maiores profecias messiânicas.

Zebulom... Naftali (1), distritos do norte de Israel assolados por Tiglate-Pileser em 734 a.C. É nestas trevas de cataclismo e calamidade que deverá brilhar a luz da salvação do Altíssimo. Os pretéritos perfeitos utilizados neste primeiro versículo são proféticos, isto é, têm um sentido futuro.

No dia dos midianitas (4); ver Jz 6-8. Nessa ocasião, os midianitas foram vencidos pelas forças poderosas dos filhos de Israel sob a chefia de Gideão, forças essas que eram a própria manifestação do Senhor Deus. A súbita destruição então infligida aos inimigos do Senhor será típica da destruição daqueles que se opõem à vinda do Príncipe da paz.

Porque um menino nos nasceu... (6). É manifestamente impossível relacionar estas palavras de majestosa profecia com qualquer outra pessoa que não seja o próprio Messias, e através dos séculos a Igreja cristã encontrou aqui os atributos iniludíveis do Rei vivo e vitorioso no coração dos homens, o único capaz de libertar e salvar a alma na sua situação desesperada e de conduzir o homem a um novo e melhor caminho de acordo com os mandamentos de Deus.

Maravilhoso, Conselheiro (6); estas duas palavras deveriam ser lidas sem vírgula. Deus forte (6); Aquele que havia de vir não era um simples homem: ostentaria o selo autêntico da divindade. Pai da eternidade (6), Aquele Cuja paternidade do Seu povo nunca terá fim. Mas há aqui mais do que isso, esta expressão significa Aquele que é eterno no Seu próprio ser e que, assim, pode conceder o dom da vida eterna aos outros. Como nesta passagem temos uma alusão Àquele que intervirá na vinda da criança anunciada, é clara e decisiva a referência à encarnação e à união do divino e do humano na pessoa de Cristo. Príncipe da Paz (6). É este o ponto culminante dos títulos dados e o maior de todos os grandes dons que o Filho de Deus traz no homem, “paz com Deus”.

Capítulo 2 Introdução ao Estudo do Livro de Jeremias

 Ambiente Histórico

Quando Deus chamou Jeremias ao ministério profético em 626 a.C., a Assíria, senhora do mundo, sujeitara Judá ao seu domínio, cobrando-lhe tributo. Todavia, a própria Assíria gradualmente enfraqueceu, após a morte de Assurbanipal em 633 a.C. Certas províncias do império perderam-se em 614 a.C., e outras no cerco final de dois anos. Assurubalut foi o último monarca reinante, conservando-se em Harran durante, pelo menos, dois anos após a destruição de Nínive em 612 a.C.

Potencialmente, o trono da Assíria estava aberto a qualquer cabo de guerra do tempo. Neco, do Egito, conduziu as suas forças até ao norte da Palestina, defrontando e matando Josias, rei de

Judá, em Megido em 609 a.C., subjugando a Síria e pondo-se novamente em marcha até ao Eufrates. Foi, porém, enfrentado por Nabucodonosor da Babilônia, que desbaratou os seus exércitos na histórica batalha de Carquemis e o obrigou a recuar para as suas próprias fronteiras, pondo, assim, termo temporário à ambição egípcia de dominar o Oriente. Foi deste modo que Judá, até ali sujeito à Assíria, passou automaticamente para o controle da Babilônia.

Depois da morte trágica de Josias, o seu povo ungiu Jeoacaz, seu filho, rei em seu lugar. Neco, porém, o depôs a favor de Jeoaquim, seu irmão, pensando que ele serviria melhor os interesses egípcios. Que esta convicção tinha bons fundamentos, prova-o claramente com tratamento a que Jeoaquim sujeitou o profeta Jeremias. Depois de Carquemis, Nabucodonosor interessou-se menos por Judá, possivelmente pelo descontentamento da Babilônia exigir o seu regresso imediato após ter sido desferido um golpe decisivo contra o Egito. Entretanto, Jeoaquim, confiante nas promessas egípcias de auxílio maciço, fez uma tentativa de sacudir o jugo de Babilônia. Em resultado disso, em 596 a.C., Nabucodonosor, consolidado o seu poder na pátria, atacou Jerusalém, prendeu Jeoaquim, filho do rebelde e agora seu sucessor, e levou-o com algum do seu povo para o cativeiro. Ao mesmo tempo, pôs Zedequias no trono.

Jeremias opunha-se vigorosamente a estes funcionários da corte. Como portavoz de Jeová, denunciava-os como falsos profetas, afirmando que as suas atividades pró-Egito eram contrárias à Sua vontade e teriam um resultado trágico. Sem dúvida se consideravam verdadeiros patriotas, e é evidente que o seu ódio feroz a Jeremias se fundamentava no fato de, na opinião deles, o profeta ser um traidor confesso. Chamando-lhes falsos profetas, Jeremias não implica necessariamente que fossem homens cruéis, mas antes que a sua intuição ou critério não eram inspirados por Iavé. A sua acusação contra os seus adversários é que não fora Iavé quem os mandara, mas que eles se destacam por iniciativa própria, pelo que as suas predições não se realizarão. Era, pois, aí que residia à falsidade. Falavam em nome de Iavé quando, afinal, Ele não lhes tinha ordenado que o fizessem. De tudo isto se depreende que a sinceridade não basta; só a inspiração divina é que faz de alguém um profeta.

É impossível dizer se Nabucodonosor tinha recebido um aviso direto do descontentamento que grassava, ou apenas boatos, mas o certo é que Zedequias foi intimado a avistar-se com ele e a descrever as condições na sua pátria. O seu regresso implica que deu garantias de fidelidade. É pena que, ao que parece, ele não tivesse a coragem e a força moral para resistir à influência de conspiradores pró-egipcistas como Ananias e os seus confederados.

Jeremias instava constantemente com o rei para que permanecesse fiel ao seu compromisso, mas quando Hofra se tornou faraó em 589 a.C., sucedendo a Psamatique II, a influência egípcia na corte acentuou-se ainda mais e, em resultado de tramas urdidas em segredo, Zedequias foi finalmente induzido a faltar à sua palavra para com Nabucodonosor. O Egito foi lento no seu socorro, e o monarca babilônio tornou a pôr cerco a Jerusalém em 587 a.C. Por fim, apareceu o exército egípcio e os babilônios levantaram o cerco temporariamente. Foi nessa altura que Jeremias foi preso como desertor que procurava fugir para os caldeus (37.11-15).

Costuma-se dizer que Zedequias era um fraco, incapaz de tomar uma decisão e enfrentar as consequências. Percebe-se que Jeremias não o conseguiu influenciar de forma a fazê-lo manter-se firme no seu juramento de fidelidade para com Nabucodonosor. A batalha foi ganha pelos falsos profetas e Zedequias arriscou a sua sorte, mas pagou amargamente a sua decisão e delongas. O Egito revelou-se uma cana quebrada; o segundo cerco foi coroado de êxito, os babilônios comportavam-se de forma desapiedada e, com grande desgosto seu, Jeremias assistiu à amarga realização da sua profecia.

Este livro dá-nos pormenores referentes à vida de Jeremias até à sua partida forçada para o Egito. Depois, abatem-se as trevas sobre o profeta, atenuadas, se porventura o são, apenas por vagas tradições. Nada há que permita chegar a conclusões definitivas quanto à sua sorte. Segundo uma tradição cristã, alguns cinco anos depois da queda de Jerusalém, foi lapidado em Tahpanhes pelos judeus, que, mesmo então, se recusavam a comungar na sua visão e na sua fé.

 A Mensagem e Ensino de Jeremias

Politicamente, como vimos, o profeta perdeu, mas espiritualmente obteve retumbante vitória. Com Amós e Oséias, confiava em como, apesar da idolatria e a infidelidade a Iavé acarretaram necessariamente o castigo, Israel e Judá não seriam destituídos definitivamente da graça de Deus. Com esses profetas, comungava também na fé que o exílio seria como disciplina, não totalmente, trágico, mas uma experiência corretiva. O estado, como estado, estava condenado, mas a fé em Iavé e a fé de Iavé no Seu povo escolhido permaneceriam e sobreviveriam àquele choque crucial.

Viu também que o antigo concerto centralizado no templo e no seu cerimonial era ineficaz. Assim, acabou por descortinar que Iavé escreveria um novo concerto no coração do “remanescente”, através do qual a religião vital se manteria dinâmica e seria um veículo de bênção para além das fronteiras da nação.

Quando o livro da Lei encontrado por Hilquias nas ruínas do templo provocou a reforma do reinado de Josias em 621 a.C., parece evidente que, de princípio, Jeremias vibrou no mesmo entusiasmo que o monarca, emprestando a este a sua influência e auxílio. Parece igualmente evidente, porém, que, mais tarde, a sua confiança nesse avivamento começou a enfraquecer, considerando o profeta demasiado fácil e superficial para satisfazer os requisitos de Iavé. A grande necessidade era de uma mudança de coração, só possível num povo que depositasse a sua fé tão somente em Iavé. Ora, a geração de Jeremias recusava-se a conceder essa centralidade de fé. Autoria

O próprio livro diz que Baruque, o escriba, escreveu as profecias que

Jeremias pronunciou (ver especialmente 36.32), e declara que “ainda se acrescentaram a elas muitas palavras semelhantes”. Duma maneira geral, Baruque parece ter sido fiel amanuense de Jeremias e, note-se, acompanhouo até ao Egito (Jr 43.6).

As próprias profecias não vêm em ordem cronológica, o que pode causar confusão numa mentalidade ocidental, habituada a encarar tais problemas de uma maneira lógica. Em The New Bible Handbook, de G. T. Manley, o leitor encontrará um esquema das datas prováveis correspondentes aos vários capítulos. O problema resulta ainda mais complicado por haver grandes diferenças entre o texto hebraico e o dos Setenta deste livro, fenômeno que se verifica mais nele do que em qualquer outro. Estas diferenças não dizem respeito apenas às palavras, mas afetam a ordem de apresentação do conteúdo.

O Caráter do Profeta

Jeremias era, de fato, um homem de Deus, sensível a toda a influência espiritual, suscetível de profunda emoção, dotado de visão clara e critério cristalino. Não podia ser comprado nem cavilosamente convencido. Seguia o caminho traçado pelo seu espírito, este sempre apoiado no sentimento de adoração que vivia dentro dele. Foi um homem de Deus do princípio ao fim e, portanto, um patriota fiel até à tragédia.

Não era cego para o pecado e loucura do seu povo. Descortinou com profunda amargura o nexo férreo entre o pecado e o castigo, e previu o exílio como uma punição inevitável e irrevogável, a não ser que se verificasse uma conversão. Foi para a provocar que despendeu sem reservas todo o seu esforço.

Essencialmente, foi um mediador impelido pelo patriotismo e pela fé em Deus. Daí a veemência das suas emoções e mensagens, ora contra o seu povo, ora intercedendo junto do Senhor. Daí também o seu isolamento, a sua agonia de espírito, os seus cruciais conflitos íntimos. A sua paixão iluminava-lhe os passos, o que facilitou a sua tarefa, embora a tornando desagradável.

Viu a condenação, mas não a tragédia final. Tanto Israel como Judá tinham um futuro em Deus, o Qual seria a sua justiça. Haveria um novo concerto. Em Deus leu promessas, não futilidade, pelo que “ficou firme como vendo o invisível”. Neste vulto descarnado, clamante, vemos o que Deus ousa pedir ao homem, e o que um homem assim pode dar. A descoberta do Jeremias autêntico pode bem constituir o renascimento de quem o descobre.

A Inaudita Calamidade que Assolará o País (4.5-31)

A invasão futura (5-18). Jeremias implorava um arrependimento profundo, mas a sua esperança foi desiludida. Não se verificou qualquer sinal externo de um regresso íntimo a Deus, e o profeta não teve outro remédio senão pronunciar a sentença. O flagelo designado proveniente do norte (6) espera já no limiar da porta.

As profecias relacionadas com estes agentes da vingança de Jeová prolongamse até ao final do capítulo 6.

• Tocai a trombeta (5), em hebraico shophar. O toque de trombeta era sinal de perigo grave.

• O leão sai do seu covil (7), feroz destruidor de nações e cidades. Provavelmente uma referência a Nabucodonosor.

• Um vento (12), outra metáfora de destruição, o siroco do deserto, um vento quente, escaldante, ciclônico, desapiedado. Assim seria também a ação de Iavé exercida sobre o país culpado.

O mesmo grave castigo transparece em várias metáforas: nuvens, tormenta, carros, cavalos, águias (13). A sentença de desolação é anunciada de Dã, o limite setentrional do país; e de Efraim, apenas a 15 quilômetros de Jerusalém (15), soa a voz de aviso.

Nos vers. 19-22 o profeta tem uma visão extraordinária de castigo inevitável que excede os seus limites de resistência. Nota-se a dor da sua alma (19-20), a pergunta que ecoa no seu espírito (21) e a resposta do seu Deus (22). As suas palavras estorcem-se na agonia que o tortura. Ah, entranhas minhas, entranhas minhas! Estou ferido no meu coração (19). O coração é a sede da inteligência, enquanto que as entranhas, segundo a psicologia hebraica, são a sede das emoções. Mas Jeremias não tem quaisquer ilusões; o castigo é justo, a marca negra do pecado sobre um povo abandonado. O Assalto a Jerusalém (6.1-5)

A conclusão da segunda mensagem de Jeremias sublinha a catástrofe inevitável que ameaça tão de perto uma nação impenitente e incorrigível. O agente destruidor designado por Deus vai atacar Jerusalém, e soa novamente a nota de alarme. O mal espreita do norte a ruína em toda a sua tragédia. O profeta personifica aqui a destruição que paira sobre a cidade. O toque de trombeta de aviso soará de Tecoa e também de Bete-Haquerém (1).

• Filhos de Benjamim (1); pode tratar-se de uma chamada aos membros da sua própria tribo, dos quais devia haver muitos na capital, ou talvez o profeta se dirigisse a toda a cidade de Jerusalém.

• Tecoa (1), local situado a uns dezoito quilômetros ao sul de Jerusalém.

Parece haver aqui um trocadilho com as palavras “bater” e “tocar”, que têm as mesmas letras que a palavra “Tecoa”.

• O facho (1), literalmente, uma chama, isto é, um sinal que assumia talvez a forma de uma espécie de farol.

• Bete-Haquerém (1), localidade mencionada apenas aqui e em Ne 3.14. O nome significa, traduzindo à letra, “casa da vinha”; agora geralmente identificado com um local chamado “montanha franca”, que oferece uma iminência conspícua muito apropriada para se erguer ali um facho de sinalização.

À medida que o inimigo se aproxima do norte, estas localidades ao sul de Jerusalém deverão preparar-se para orientar os fugitivos na sua fuga da capital. Preparai a guerra (4), ou, literalmente,

“santificai a guerra”, isto é, oferecei sacrifícios para assegurar a vitória. A exortação visa ao começo das hostilidades, e é o inimigo fora das muralhas da cidade que assim se anima à refrega. A sua persistência é tal que, se se malograr o ataque durante o dia, a noite dar-lhe-á a vitória (4-5). O profeta prediz em nome do Senhor que a vitória será absoluta e definitiva.

Capítulo 3 Introdução ao Estudo do Livro de

Lamentações Título O título mais completo, “As Lamentações de Jeremias” é encontrado nos manuscritos gregos e na Septuaginta. Mas o Talmude e os escritores rabínicos se referem a ele simplesmente como “Lamentações” (qinoth) ou como “Como!”

('ekhah), a palavra inicial no hebraico. Autoria e Data

A tradição que Jeremias compôs esses poemas recua até à posição e ao título do livro na Septuaginta, onde é introduzido mediante as palavras: “E sucedeu, após Israel ter sido levado cativo, e Jerusalém ter ficado desolada, que Jeremias se assentou a chorar, e lamentou com esta lamentação por causa de

Jerusalém e disse...”. Também é asseverado no Targum Siríaco e no Talmude (Baba Bathra) que: “Jeremias escreveu seu próprio livro, Reis, e Lamentações”. Em II Cr 35.25 é feita referência às lamentações desse profeta por causa da morte do rei Josias, e ali se acha escrito que tal lamentação foi registrada e ficou como “estatuto em Israel”; com isso Lm 4.20 e 2.6. Porém, nosso presente livro gira não tanto em torno da morte de um rei como em torno da destruição de uma cidade, e 4.20 com igual justiça poderia referir-se a Zedequias, a despeito de sua falta de dignidade (o sentimento em II Sm 1.14,21).

Não obstante, na qualidade de profeta chorão (Jr 9.1; 14.17-22; 15.10-18 etc.), Jeremias bem poderia ser concebido como autor, igualmente, do livro de Lamentações, não fosse o fato de existirem certas dificuldades para que se aceite essa opinião. O estilo é muito mais elaborado e artificial que o do próprio livro de Jeremias e, nos capítulos 2 e 4, é mais parecido com o estilo de Ezequiel. O capítulo 3 faz lembrar Sl 119 e 143. A atitude para com os poderes estrangeiros, subentendida em 4.17, certamente não é a do “colaboracionista” Jeremias e não reflete a própria experiência do profeta. A desolação de Jerusalém (1.1-7)

As palavras iniciais desse “hino político funerário” (Gunkel) apresentam Jerusalém como mulher privada de seu marido e de seus filhos, da qual foi-se toda a sua glória (6) por causa de melancolia permanente. Assim foi que, muitos anos depois, uma moeda romana, que comemorava a destruição dessa mesma cidade por Tito, em 70 d.C., representa-a como mulher assentada debaixo de uma palmeira e traz a inscrição “Judaea capta” (vers. 3). Ela, a quem coubera tão gloriosa herança de uma religião espiritual e profética, fora agora levada a um estado de total desolação por causa da multidão das suas prevaricações (5). Aquelas nações circunvizinhas entre as quais havia procurado auxilio, tinham-na decepcionado miseravelmente, e suas ruas e lugares de assembléia, quer para o comércio (suas portas), quer para as alegres solenidades da adoração, agora se achavam desertos (4). Pecado produz sofrimento (1.8-

11)

A indicação, dada no verso 5 é agora abordada e desenvolvida, e eventualmente se torna um dos principais temas do livro. Jerusalém... fez-se instável (8). Ela “se tornou impura”, dizem outras versões. E isso porque ela gravemente pecou (8). Seus sofrimentos eram bem merecidos. Ela não se havia lembrado de seu fim (9), isto é, falhara em considerar as consequências de suas ações, até quando já era tarde demais. Incontáveis advertências tinham deixado de ser atendidas, e agora estava a colher o fruto de sua iniqüidade. Mas, mesmo enquanto sua porção estava sendo assim graficamente descrita, ela é pintada como alguém que já havia começado a clamar a Deus, e seus clamores se intrometem nas meditações do poeta (9b, 11b). Um grito pedindo compaixão (1.12-22)

Os primeiros soluços suplicantes de Sião já tinham sido ouvidos de passagem na seção anterior.

Mas agora, não apenas os passantes casuais (12), mas todas as nações (18) e, finalmente, o Senhor mesmo (20), são solicitados a ponderar, com simpática compreensão, sobre as tremendas aflições que haviam caído contra ela.

As palavras do verso 12 há muito têm sido associadas a nosso Senhor, em Sua paixão. Embora Cristo tenha rejeitado a simpatia para Consigo mesmo (Lc 23.28), Ele se identificou tão intimamente com o pecado humano e com suas consequências (II Co 5.21) que, conforme sugerem essas palavras proféticas, Ele deseja que consideremos o significado dessa identificação.

A linguagem do verso 15 relembra a dos grandes festivais do ano judaico. Mas, em lugar de ser convocado o povo favorecido de Israel, são convocados os seus inimigos para uma festa cujo objetivo não é louvar a Deus por Sua abundância na vindima ou na colheita, mas é comemorar o esmagamento dos próprios judeus no lagar da aflição. Não obstante, não há queixa alguma contra a justiça divina, não aparece nenhum problema de teodicéia, como no livro de Jó. Por isso o apelo é feito a Ele, pois toda ajuda humana é ineficaz (17, 19, 21). Ele pode castigar, mas acabará consolando aqueles que são levados a reconhecer os motivos de tal punição. E até os próprios instrumentos do julgamento divino serão por sua vez julgados por Aquele cujo caminho é perfeito (Sl 18.30). Aqui temos uma vívida demonstração de fé no poder soberano, na sabedoria e na graça de Deus.

O Senhor é um inimigo (2.1-9)

Fornecendo detalhes repulsivos sobre as cenas que ele mesmo havia testemunhado, o poeta descreve, nesta elegia, o dia da ira do Senhor (22). Até parecia que o próprio Deus se havia tornado inimigo figadal de Judá (5), pois todos aqueles terríveis acontecimentos eram apenas operações de Sua ira. Ele, e não meramente algum adversário humano, era o responsável por tais acontecimentos. O templo (a glória de Israel) e a arca com seu propiciatório (escabelo de seus pés; I Cr 28.2), bem como os fortes e os palácios e as habitações humildes do povo, haviam sido derrubados por terra e destruídos

(1-2).

Os horrores da fome (2.10-13)

A situação das crianças inocentes (11-12) é um tema que se repete nos versos 19-21 e em 4.4,10. O escritor evidentemente não podia afastar da mente as cenas macabras. Os anciãos ou cabeças das famílias, que compartilhavam da administração, eram impotentes para fazer qualquer coisa. Graves magistrados e jovens mulheres entristecidas foram igualmente reduzidos a um silêncio forçado devido à tristeza (10). Sofrimento tal como esse é sempre um profundo mistério; mas nem mesmo uma criança pode ser considerada isoladamente. “É uma monstruosidade acusar a providência de Deus por causa das consequências das ações que Ele tem proibido” (W. F. Adeney).

Considere-se, igualmente, as palavras do próprio Cristo, em Lc 13.1-5. O sentido do verso 13 é que a tribulação se tinha abatido sobre Sião como o mar, o qual forçara entrada por uma brecha no dique; e nada lhe podia resistir. Profetas falsos e verdadeiros (2.14-17)

Teus profetas (14). Parece que essas palavras não se referem a Jeremias ou Ezequiel, os quais, presumivelmente, se encontrariam, respectivamente, no Egito e na Babilônia, mas aos profetas deixados atrás, na Judéia, os quais, diferentemente daqueles, eram destituídos de visão (9) e tinham medo de expor a verdadeira causa da calamidade que se abatera contra Sião.

Eram os homens que tinham anunciado o acontecido como “má sorte”, em lugar de terem lançado o grito: “Arrependei-vos!” Suas palavras eram zombarias, pouco diferentes dos insultos dos espectadores hostis em vista da desolação da cidade (15-16) e totalmente diferentes das destemidas mensagens pregadas pelos verdadeiros profetas, de conformidade com as quais mensagens Deus estava agora a cumprir a sua palavra, que ordenou desde os dias da Antigüidade (17). Aqueles otimistas superficiais, com suas cargas vãs (14), ou seja, falsos anúncios, não tinham luz para derramar sobre a presente situação. O clamor dos aflitos (3.1-21)

Este capítulo, com seu acróstico de três em três versículos se concentra em torno dos sofrimentos pessoais do escritor, embora ele aqui fale, sem dúvida alguma, “como o representante típico do povo” (T. H. Gaster). Através de todas as suas agonias respira um espírito de quieta resignação e confiança especialmente na segunda seção (22-39). Trata-se de um produto terminado de arte literária, embora seja possível descobrir uma falta de coesão aqui ou acolá devido às exigências da moldura alfabética. Porém, em mais de uma maneira este poema não conduz ao coração mesmo do livro. Como uma previsão sobre a paixão de Cristo, tem afinidades com Is 53 e Sl 22. Uma chamada à conversão (3.40-42)

“A benignidade de Deus te leva ao arrependimento” (Rm 2.4). Com verdadeira veia profética o poeta elegíaco se coloca lado a lado com seus compatriotas e suplica-lhes que retornem ao Senhor e busquem reconciliação com Ele. Que se examinassem a si próprios (40) à luz de Seus mandamentos, que haviam transgredido (42), e que o levantar de suas mãos para Deus no céu fosse acompanhado também pela elevação de seus corações, isto é, que suas orações rogando perdão fossem autênticas e sinceras. Que então soubessem, igualmente, qual o sentimento de quem ainda não está perdoado, estar ainda sob o julgamento de Deus (42b), pois assim viriam a apreciar ainda mais a maravilha de Seu perdão.

As tristezas do pecado (3.43-54)

O senso de culpa que precede cada conversão genuína é descrito em seguida. Desce sobre a alma uma dolorosa apreensão sobre a ira de Deus contra o pecado e sobre a barreira que o pecado erigiu entre si e Ele (44). Os efeitos do pecado são plenamente reconhecidos, e segue-se uma tristeza sincera de coração. Porém, não mais Deus é considerado como inimigo implacável. Suas ternas misericórdias são percebidas e são ansiosamente aguardadas (50) por aquele que antes parecia além do alcance de qualquer auxílio (52-54). Estes últimos comoventes versículos sugerem uma real experiência física da parte do escritor; mas, se assim foi o caso, tratou-se de uma experiência diferente daquela por que passou Jeremias, que foi posto numa cova seca por seu próprio povo (Jr 38.6).

Consolo e maldição (3.55-66)

Das profundezas do auto-desespero sai a oração do pecador arrependido e chega até às alturas do céu. Invocando o nome ou caráter de Jeová (55), o pecador arrependido descobre que Deus está a seu lado, como advogado e redentor; e que de Seus lábios graciosos saem palavras de consolação (5658). Com isso Sl 69.

Mas, apesar de admitir a validade dos juízos de Deus, não podemos descobrir em seu coração disposição para desculpar aqueles que foram os instrumentos desses julgamentos. Tais instrumentos, do mesmo modo, devem ser punidos: “Tu lhe darás... maldição” (65). Uma imprecação nesta conjuntura pode fazer soar uma nota dissonante, mas é bom relembrar que o sofrimento imposto a outro homem pode, na providência de Deus, levar aquele homem a reconhecer seus próprios pecados e a buscar ao Senhor; mas não será por isso que o instigador de tais sofrimentos será considerado menos responsável perante as leis de Deus. O escritor parece estar falando sob considerável provocação. As consequências do pecado (4.13-20)

Os profetas e sacerdotes que haviam falhado, não proclamando a verdadeira Palavra de Deus, estavam envolvidos numa temível vingança. Eram tratados como leprosos, e haviam fugido da cidade. Até mesmo aos pagãos fora solicitado que não lhes dessem abrigo (15), pois eram homens culpados, contra quem o profeta Jeremias tão frequentemente havia falado (Jr 6.13;8.10; 23.11,14), e haviam ajudado a derramar o sangue dos justos (13; Jr 26.20-23). O povo, igualmente, fora levado a perceber que a confiança em um aliado terreno (tal como o Egito, Jr 37.7) estava condenada ao desapontamento (17); e nem mesmo a possessão do reino davídico podia servir de garantia da bênção e da proteção divinas (20). O ungido do Senhor (20) era Zedequias, o último infeliz rei de Judá, cuja sorte é descrita em 2Rs 25.4-7. Dessa maneira, os líderes eclesiásticos, os políticos, o próprio rei - todos se tinham mostrado impotentes para desviar os julgamentos de Deus da nação culpada da qual foi dito: é vindo o nosso fim (18).

Edom não escapará (4.21-22)

Por ocasião da captura de Jerusalém Edom procurara enriquecer-se às expensas de seu povo irmão (Ob 10-16), e sua conduta, nessa oportunidade, foi amargamente ressentida pelos judeus (Ez 25.12-14; Sl 137.7-9). Os judeus, porém, podiam conciliar-se com o pensamento que, enquanto que sua punição já se tinha realizado (22; cfr. Is 40.2), a de Edom ainda era futura: o cálice chegará também para ti (21). E quando isso acontecesse seria sinal de que a misericórdia divina havia retornado para Judá. Uz (21), o lar de Jó, é provavelmente mencionado aqui para mostrar a extensão dos domínios dos edomitas. Ele visitará a tua maldade (22). No original, visitar ou “descobrir” é o oposto de “cobrir”, sendo esta última a palavra geralmente usada para

“perdoar”.

Capítulo 4 Introdução ao Estudo do Livro de Ezequiel Autoria, Data e Circunstâncias

Esses três problemas estão ligados no que diz respeito a este livro. O livro foi composto principalmente na primeira pessoa e propõe ter sido escrito pelo profeta Ezequiel, que é identificado como um dos exilados judeus deportados em companhia do rei Joaquim, em 597 a.C. (1.1 e segs.). A narrativa é pontilhada por avanços progressivos de tempo, começando pelo quinto ano do cativeiro, 593 a.C. (1.2), e continuando até o vigésimo quinto ano do cativeiro, quando foram escritos os capítulos 40-48 (40.1; 29.17 e segs.), escritos no ano vigésimo sétimo do cativeiro, foram mais tarde inseridos pelo profeta, nesse ponto, por uma razão especifica.

Até tempos recentes a autenticidade deste livro era aceita em geral; porém, no século atual, ele tem provido oportunidade de muitos eruditos demonstrarem seus engenhos. Seus trabalhos, por outro lado, têm servido para apresentar claramente a natureza dos problemas exibidos por esse livro e têm capacitado seus sucessores a abordarem-no com mais inteligência.

Das duas principais dificuldades que aparecem no caminho da aceitação da autenticidade de Ezequiel, a primeira pode ser tratada de modo sumário. É afirmado que este profeta, como seus antecessores, foi pregador de condenação. Todos os profetas pré-exílicos se declararam contra a escatologia popular de seus dias e pronunciaram apenas julgamentos contra Israel. Como, é interrogado, poderia um profeta proclamar numa ocasião a vinda de julgamento contra os pecados, e na próxima falar de maravilhosas promessas a um povo pecaminoso? Alguns mantêm, além disso, que a idéia de uma era abençoada se originou na Pérsia, pelo que todas as passagens que falam dessa era devem necessariamente datar de um período posterior ao exílio, quando os israelitas estiveram em contato com aquela nação.

Segundo esse ponto de vista uma considerável porção de Ezequiel tem que ser reputada como interpolação posterior, e tal é a posição de Hölscher. Seu discípulo, Von Gall, aplicou o mesmo critério a todos os profetas; o processo postulado de edições graduais dos livros proféticos, nas quais eram feitos “acréscimos” sucessivos ao texto em gerações sucessivas, evoca grande admiração em vista da engenhosidade do esquema, mas é por demais complicado para ser real. A maioria dos eruditos rejeita a noção de que a esperança de um reino de Deus era propriedade exclusiva da nação persa; essa esperança também era indígena em Israel.

É difícil de compreender por qual motivo os profetas não poderiam ter predito uma restauração após o julgamento; não se deve inferir que viam apenas o caos em vista de suas profecias de condenação, como também não se pode dizer que Jesus via apenas a ruína para o povo escolhido, quando predisse a destruição de Jerusalém (Mc 13.2). Partindo da evidência bíblica é difícil resistir ao ditado de Gressmann: “Renovação mundial necessariamente se segue à catástrofe mundial”. O próprio Ezequiel provê a melhor resposta para essa questão: “Como pôde um profeta ligar ameaça com promessas para que essa

combinação surtisse algum efeito sobre os seus ouvintes?”

À parte do desenvolvimento observável na tendência geral de sua profecia [primeiro o julgamento (1-32), e então a consolação (33-48)] ele mistura os dois elementos de tal maneira que cria um senso de vergonha no momento mesmo em que é apresentada a promessa. Ver especialmente Ez 20.42 e segs.: “E sabereis que eu sou o Senhor, quando eu vos fizer voltar à terra de Israel... E ali vos lembrareis de vossos caminhos, e de todos os vossos atos com que vos contaminastes, e tereis nojo de vós mesmos, por todas as vossas maldades que tendes cometido”. (A passagem inteira de 20.33-44 deve ser cuidadosamente lida, pois aqui também se pode observar uma espécie de doutrina sobre a remanescente). Pode-se adicionar que essa posição geral está sendo adotada por um número cada vez maior de eruditos do Antigo Testamento; quanto a detalhes maiores, o estudante poderá examinar as obras padrões sobre a teologia e a escatologia do Antigo Testamento.

A segunda consideração principal é mais importante e tem ocasionado a maior parte das teorias mais recentes a respeito do livro de Ezequiel. Apesar de que o profeta vivia na Babilônia, dirigia-se constantemente aos judeus deixados em Jerusalém. Expedia profecias simbólicas para benefício deles, as quais não obstante, não podiam ver; conhecia perfeitamente a situação deles; descrevia acontecimentos que testemunhara suceder em Jerusalém e suas circunvizinhanças, como, por exemplo, as idolatrias dos anciães no templo (capítulo 8), a súbita morte de um deles (11.13), a tentativa de Zedequias para escapar de Jerusalém à noite (12.3-12), o fato de Nabucodonosor ter consultado sortes em encruzilhadas de estradas a caminho daquela cidade (21.18 e segs.) e o fato de mais tarde haver-se acampado fora de Jerusalém (24.2).

Que um homem que vivia na Babilônia pudesse testemunhar acontecimentos dessa ordem em lugar tão remoto como Jerusalém parece falta de bom senso para uma época científica como a nossa; por conseguinte, alguns argumentam que deve ser procurada outra solução. Ou Ezequiel realmente vivia em Jerusalém, e não na Babilônia, e seu livro incorpora suas profecias genuínas com as de um redator posterior que se dizia viver como exilado (conforme opinião de Herntrich); ou a situação inteira é fictícia e a obra é comparável aos escritos apocalípticos pseudônimos do judaísmo posterior, e pertenceria, em realidade, à época de Alexandre (segundo opinião de Torrey). Dessas duas alternativas dificilmente alguém leva a sério a segunda, mas a primeira merece considerável atenção e é aceita por Oesterley (Introduction to the Old Testament, págs. 324-325). Cooke, entretanto, é o porta-voz dos sentimentos de muitos críticos ao dizer que é tão difícil acreditar num redator altamente imaginário como aceitar as declarações contidas no texto (I. C. C., pág. 23).

Consequentemente, ele aceita a autenticidade do livro nos seus aspectos principais; e o consenso da erudição moderna está de seu lado. Guillaume tem, além disso, relacionado esse extraordinário dom de segunda vista possuído por Ezequiel a outros fenômenos semelhantes do Antigo Testamento, e até mesmo no moderno mundo beduíno. Mediante suas pesquisas ele nos tem capacitado a compreender melhor um tipo de mente que tem pouco em comum com a moderna civilização ocidental. Se essa controvérsia não tiver servido para outro propósito, portanto, do que de destacar o caráter verdadeiramente extraordinário de Ezequiel, mesmo assim não terá sido vã.

4.2 Conteúdo

Conforme demonstra o esboço do conteúdo, o livro foi construído segundo um plano claramente definido, e o escritor aderiu firmemente aos assentos de cada seção. Após a visão introdutória dos capítulos 1-3, Ezequiel se concentra quase exclusivamente em desnudar a iniqüidade de seu povo.

Sem dó arrasta seus pecados para debaixo da luz e pronuncia contra eles o julgamento de Deus. Por meio de ações simbólicas, parábolas, oratória inflamada e declarações lógicas ele reitera seu tema que versa sobre a iniqüidade da nação e sobre sua inevitável destruição. A repetição da denúncia e da ameaça de condenação é tão constante a ponto de fazer o leitor recuar horrorizado, especialmente em vista do fato que, enquanto que outras obras proféticas iluminam suas ameaças com promessas, este elemento falta quase inteiramente na primeira seção do livro de Ezequiel. E quando ele permite que brilhe algum raio de esperança, este usualmente se torna vermelho como fogo, pelo que a restauração referida se torna algo vergonhoso e não algo que causasse alegria (por exemplo, 16.53-58;20.43-44).

4.3 Características

Duas características da personalidade de Ezequiel já têm sido mencionadas, a saber, a vivacidade de sua imaginação e seus poderes sem paralelo de telepatia, clarividência e prognóstico. Essas coisas se combinavam com um senso avassalador sobre a transcendência de Deus que pode produzir passagens de literatura que, de muitos modos, parecem estranhas para a mente moderna, mas que são ricamente recompensadoras para o investigador. Por exemplo, quantos são os que têm ficado tão perplexos pelo relato de Ezequiel sobre sua visão inaugural, no capítulo primeiro, a ponto de não continuarem a leitura de seu livro? No entanto, uma vez compreendido esse capítulo fica percebido que ele é altamente significativo e dotado de grande valor espiritual, como os próprios judeus reconheciam. (Uma afirmação do Mishnah registra que a Carruagem, isto é, Ez 1, e a Criação, isto é, Gn 1, são dois particulares que devem ser expostos apenas para uma pessoa prudente; Ag 2.1, citado por Cooke, pág. 23). Observações semelhantes poderiam ser feitas no tocante a muitas passagens obscuras e negligenciadas de Ezequiel.

Em certas direções Ezequiel foi o pioneiro de movimentos de pensamento que estavam destinados a se desenvolverem como características do judaísmo posterior. Ele foi o primeiro a declarar, com clareza dogmática, a verdade da responsabilidade individual. Mediante a freqüência de suas visões e a natureza de êxtase de muitas de suas afirmações, e especialmente mediante suas profecias concernentes a Gogue e o reino futuro, ele moldou um tipo de profecia que, no tempo devido, conduziu ao movimento apocalíptico.

Em todas essas questões, a saber, a responsabilidade individual, a profecia apocalíptica e o esquecimento dos gentios na contemplação de reino de Deus, o judaísmo foi muito além de Ezequiel e, em certas direções produziu, realmente, uma caricatura de seu ensinamento.

É injusto, todavia, culpar Ezequiel desses desenvolvimentos infelizes, como é injusto culpar Daniel por causa das puerilidades de alguns escritos apocalípticos. É infeliz em alto grau, por conseguinte, que muitos eruditos bíblicos depreciem Ezequiel como retrógrado em sua doutrina. Pelo contrário, seu livro faz importantíssima contribuição, na providência de Deus, para o desdobramento da revelação de Deus na Bíblia. Precisa ser estudada com maior simpatia do que alguns estudiosos modernos estão presentemente inclinados a fazê-lo. Finalmente, poderia ser talvez mencionado que em alguns lugares o texto de Ezequiel tem sofrido muito devido à transmissão do texto. Indicar cada uma dessas dificuldades exigiria mais espaço do que é permitido num comentário desta extensão. Somente as correções mais importantes têm sido salientadas na exposição.

A chamada e a comissão do profeta (2.1-3.3)

O título Filho do homem (1,3, etc.), aplicado a si mesmo, é característica de Ezequiel e salienta sua posição de mera criatura em comparação com a majestade do Criador. Foi título usado por Deus ao dirigir-se ao profeta, e não por Ezequiel a si mesmo, aparentemente para mostrar que seu dever era servir de porta-voz da vontade divina. Deus se refere a Ezequiel mais de noventa vezes como filho do homem. Este título ressalta a humildade e a fragilidade do profeta, e servia para lembrar-lhe da sua dependência do poder do Espírito Santo para capacitá-lo a cumprir o seu ministério. Jesus também empregava este título em alusão a si mesmo (Mt 8.20; 9.6; 11.19; Mc 2.28; 8.31,38; 9.9; Lc 5.24; Jo 3.13), salientando o seu relacionamento com a raça humana e sua dependência do Espírito Santo (Dn 8.17).

“Hão de saber que esteve no meio deles um profeta” (2.5) encontra paralelo na expressão frequentemente repetida: “saberão que eu sou Jeová”. Ambas essas verdades tonar-se-iam evidentes quando Deus cumprisse as predições do profeta; 33.32-33; Dt 18.21 e segs. Deus precisa de servos autênticos e fiéis para proclamar a sua Palavra ao povo. Servos que falem tudo quanto Ele quer, sem medo e sem transigência com o erro. Sua mensagem não é determinada pela reação dos ouvintes, mas, sim, entregue com total lealdade a Deus e à sua verdade (v. 7). Se alguns ouvintes decidem resistir a Deus e à sua lei, que o façam, porém esses profetas vão continuar a entregar a mensagem de Deus, repreendendo o pecado e a rebeldia, e conclamando o povo a ser fiel ao Senhor.

Ao profeta é ordenado que não compartilhe da rebeldia de sua nação ocultando do povo as mensagens que Deus lhe declarasse (8). O fato que Deus tocou diretamente na boca de Jeremias (Jr 1.9), mas deu um rolo de livro a Ezequiel (9) ilustra a diferença entre os dois profetas; o primeiro caso declara a imanência de Deus, e o segundo a Sua transcendência. O escrito sobre o livro, por dentro e por fora (10), contrário ao uso normal, indica a plenitude de seu conteúdo. Lamentações e suspiros e ais (10) forma uma justa descrição da maior parte da profecia de Ezequiel.

Sua mensagem não foi alterada até que, de conformidade com a promessa do verso 5, Deus cumpriu Suas palavras mediante a destruição de Jerusalém (33.21 e segs.). Come este rolo (3.1). Não há nada de mecânico nesse modo de inspiração; o fato que Ezequiel devia mastigar o rolo mostra que ele devia tornar sua a mensagem. A despeito da natureza da mensagem, para o profeta seu gosto foi doce como o mel (3), pois “é doce fazer a vontade de Deus e ser incumbido de tarefas em Seu serviço” (McFadyen). Note-se a variação na experiência do escritor apocalíptico do Novo Testamento (Ap 10.10).

A comissão é destacada (3.4-15)

O profeta não foi enviado a uma nação estrangeira (5), nem ao mundo pagão em geral (6); pois, se assim tivesse acontecido, tê-lo-iam ouvido. Israel, entretanto, não ouviria nem o profeta nem o próprio Deus (7). Um povo “profundo de lábios e pesado de língua” (5, como diz certa versão) indica “um povo cuja fala soava gutural e confusa para os ouvidos hebreus” (Cooke). A obstinaria tradicional de Israel é referida por nosso Senhor em Mt 11.21-24; Lc 4.24-27. Cfr. Is 1.7 e Jr 1.17-19 com os vers. 8 e 9.

“Aos do cativeiro” (11). A missão de Ezequiel embora dirigida a todo o Israel (4), fica agora demonstrada como visando especifica e imediatamente a seus companheiros de exílio. Isso seria necessário em vista de suas circunstâncias; mas o escrito do livro, ou mesmo de suas seções separadas, tornaria sua mensagem à disposição da nação inteira. A partida da carruagem gloriosa deixa o profeta com uma realização de tristeza, no ardor do meu espírito (14). Porém, foi compelido a dar início a seu ministério profético. Ele se mudou para TelAbibe,

“a casa das espigas verdes”, um dos principais centros dos exilados.

Foram necessários sete dias para que ele se recuperasse dos efeitos da visão

(15).

O profeta como vigia – atalaia de Israel (3.16-21)

“Eu te dei por atalaia” (17). O trabalho de um vigia era avisar a cidade de algum perigo iminente; assim também Ezequiel deveria avisar seu povo a respeito do desastre que estava preste a desabar sobre eles. A passagem tem em mente a catástrofe que estava a ponto de sobrevir a Jerusalém, mas o profeta não hesitou em aplicá-la de modo geral. Sua importância jaz na relação a ser estabelecida entre Ezequiel e seus ouvintes; ele se sentia responsável por eles individualmente e precisava advertir cada qual na qualidade de fiel pastor (18,20); eles eram individualmente responsáveis por suas ações e seu destino, pois Deus trataria com eles como pessoas morais, e não como uma unidade (19). Tratava-se de uma concepção revolucionária e marcou um passo significativo no processo da revelação. Ordenado o silêncio (3.22-27) A Ezequiel foi ordenado permanecer em sua casa (24), talvez devido a alguma ameaça de violência

(25). A mudez viria sobre ele (26), exceto quando Jeová abrisse sua boca em declaração profética (27). Caso este episódio esteja aqui no lugar que lhe convém, o ministério de Ezequiel foi, portanto, um ministério particular, que só recebia aqueles que vinham à sua casa (8.1), até que chegaram a ele as notícias da queda de Jerusalém (33.21-22). Alguns sentem que isso aparece de modo estranho, em vista da comissão anterior; sugerem que este parágrafo talvez esteja deslocado e talvez pertença a um período posterior do ministério de Ezequiel. Se esse for o caso, o verso 27 está ligado a uma ocasião específica quando Deus faria cessar a mudez do profeta (33.21-22).

O exílio (4.4-8)

Deus ordenou que Ezequiel simbolizasse o cerco de Jerusalém e o exílio subsequente, por meio de atos específicos. Retratou estes eventos com uma miniatura de cerco da cidade. A assadeira de ferro (v. 3) talvez represente a força resistente dos babilônios. Mediante este ato figurativo, Ezequiel gravou na mente dos exilados o fato de que o próprio Deus ia enviar os babilônios contra Jerusalém. (4) Deus mandou Ezequiel suportar, de modo simbólico, o castigo que Ele determinara sobre Israel e Judá. Cada dia que Ezequiel ficava deitado sobre o seu lado, representava um ano de pecado da nação hebréia como um todo.

Ele não ficava o dia inteiro deitado sobre o seu lado, pois tinha outras tarefas a cumprir (vv. 9-17). O número de dias determinados a Ezequiel para ficar deitado sobre o seu lado correspondia aos anos de pecado de Israel e de Judá. Os 390 anos parecem abranger o período da monarquia de Salomão à queda de Jerusalém. Os quarenta anos a mais atribuídos a Judá (v. 6) podem representar o reinado extremamente ímpio de Manassés, que influenciou Judá pelo resto da sua história (2Rs 21.11-15).

O julgamento de Jerusalém (9.1-11)

Se certas versões forem seguidas quanto ao verso 1, aos executores é dito diretamente: “Aproximai-vos, executores da cidade!” Seis homens com um homem vestido de linho (2) perfaziam um grupo de sete pessoas; indubitavelmente eram seres angélicos. Os sete anjos que estão sempre, defronte de Deus (Ap 8.2,6) e que ali também aparecem como executores da ira de Deus.

“E marca” (4). Os justos foram marcados (a palavra significa, estranhamente, uma marca em forma de cruz) para serem distinguidos dos idólatras e para lhes ser garantidas as proteções de Jeová. Êx 12.23; Ap 7.3-8; 13.16-18; 14.1.

Comecei pelo meu santuário (6); 1Pe 4.17. O restante de Israel (8) denota os habitantes de Jerusalém. O reino do norte já tinha sido levado para o cativeiro, em 722. a.C., e Judá já tinha sofrido um cativeiro parcial, em 597 a.C. Em contraste com seu grito, em 6.11, e com sua usual atitude de completa simpatia com os julgamentos divinos contra Israel, aqui Ezequiel pleiteia por misericórdia para com seus compatriotas errantes. A resposta é dada nos versos 9 e 10; a culpa da terra é tão repugnante que o castigo não pode ser desviado. O Senhor deixou a terra (9; isto é, a terra santa), ou seja, Jeová havia abandonado Seu povo, conforme era evidenciado por suas contínuas tribulações. Por conseguinte, da parte deles não havia ocorrido àqueles apóstatas que a adversidade de que sofriam era um julgamento justo de Jeová contra sua iniqüidade.

O incêndio de Jerusalém (10.1-22)

O trono (1) estava vazio (9.3); os querubins aguardavam Jeová para alçar vôo e partir. O destruidor da cidade era o homem, vestido de linho (2) que anteriormente havia feito uma marca nos fiéis separando-os para a preservação; todos os sete anjos, dessa forma, eram ministros vingativos, como em Ap

8.111.15. Querubim (2; no original no singular) é um termo coletivo que inclui os quatro querubins, como em 9.3. Nada nos é informado sobre a destruição da cidade, senão que o anjo comissionado para isso tomou o fogo dentre os querubins (Is 6.6) e saiu (7).

A visão profetizava os incêndios que efetivamente destruíram Jerusalém, em 586 a.C. (2Rs 25.9); porém, mais significativa que a predição foi a revelação da identidade do Destruidor - o próprio Deus. O propósito da repetição dos versos 9-22 é somente impressionar o leitor com esse mesmo fato; pois a descrição da glória de Deus e da carruagem já fora dada no capítulo primeiro. Sua recorrência aqui, de modo detalhado, sublinha o espantoso fato que Deus, que os homens julgavam estar inseparavelmente ligado ao Seu santuário e à Sua cidade, é Quem haveria de destruir ambas essas coisas e abandonar suas ruínas. Devido à fantasia de alguns copistas de séculos posteriores, algo da descrição dos versos 9-22 se encontra de modo confuso e difícil de seguir. Por exemplo, 11a fala sobre as rodas, 11b evidentemente tem os querubins em mente; o verso 13 ficaria melhor se coloca do após o verso 6; o primeiro rosto, no verso 14 deveria ser rosto de “boi” e não de querubim como em 1.10 (a não ser que sigamos o rabino Resh Lakish: “Ezequiel buscou o Misericordioso a respeito dele (do rosto de boi) e Ele o transformou em querube”); o verso 15 interrompe a sequência e antecipa os versos 19-20. Saiu a glória do Senhor (18). Jeová abandonou o templo pela entrada da porta oriental (19); 11.22-23 registra o fato que Ele se afastou completamente da cidade.

Oolá e Oolibá (23.1-49)

Este capítulo se divide em duas partes. Os versos 1-35 dão a alegoria sobre duas irmãs, Samaria e Jerusalém, mediante o uso de figuras semelhantes às empregadas no capítulo 16. Porém, enquanto o poema anterior tinha em mente as más influências da religião dos cananeus, aqui o que é condenado são os pactos com as nações estrangeiras. Os versos 36-49 formam um apêndice, desenvolvendo essa alegoria de modo diferente, possivelmente com uma situação diferente em mente. Aqui as duas irmãs são vistas juntas, e são acusadas por adorarem a Moloque e por profanarem o santuário e o sábado (37-39); as alianças com nações estrangeiras parecem ter sido feitas com aqueles povos que bordejavam Israel (42), e não com impérios distantes.

Os dois nomes (4) são idênticos quanto ao seu significado, sendo formas femininas de ohel, uma “tenda”. Talvez tenham em vista as tendas associadas com a adoração falsa (16.16). Com todos os seus ídolos se contaminou (7). As alianças políticas usualmente envolviam a adoção dos cultos do poder superior. Samaria havia estabelecido alianças com a Assíria (5 e segs.) e com o Egito (8); Jerusalém foi ainda mais além, e se aproximou também da Babilônia (14-

18).

A adoração assíria (12) foi popularizada por Manassés e permaneceu na cidade até sua queda (2Rs 21.1-9; Jr 44.15-19). Mandou-lhes mensageiros à Caldéia (16). A Ocasião disso é desconhecida, a não ser que seja a que é registrada em 2Rs 24.1. No verso 20 está em mente a solicitação de ajuda egípcia contra a Babilônia, Jr 37.7 e segs. Pécode, Soa e Coa (23) eram as tribos que ficavam a leste do rio Tigre. Nua e despida (29). Esse tirar as vestes de Oolibá representa a devastação de Jerusalém. Oolá e Oolibá serão julgadas como adúlteras (47; ver Dt 22.23- 24). Profecias Contra Tiro (26.1-28.26)

Os fatos da situação contemporânea explicam a proeminência dada por Ezequiel para Tiro. Os babilônios estavam prestes a pôr cerco na cidade. Qual seria o resultado? “Baseados em terreno patriótico e religioso, os judeus exilados sentiam-se envolvidos na questão. Ezequiel não duvidava que isso resultaria na queda e na extinção de Tiro (26); ele antecipa sua ruína numa magnífica lamentação fúnebre (27); e ameaça seu rei de justa retribuição (28)” (Cooke).

A queda de Tiro (26.1-21)

Tiro exultava no que acontecera a Jerusalém, pois ela tinha sido a porta dos povos (2). O tráfico das caravanas, vindas do norte ou do sul, eram sujeitas a impostos pelos judeus. Como se o mar fizesse subir as suas ondas (3). Tiro estava edificada numa ilha rochosa, “no coração dos mares” (27.4), uma posição que facilitava o comércio e a tornava aparentemente inexpugnável. Suas filhas que estão no campo (6) eram as cidades do continente que dela dependiam. No original, Ezequiel sempre escreve o nome do monarca babilônico (7) da maneira mais aproximada possível do original babilônico, Nabukudurri-usur, “Nebo protege minhas fronteiras”.

Essa descrição da campanha, nos versos 8-12, pressupõe a ereção de um molhe que partia do continente à ilha, um procedimento provavelmente adotado por Nabucodonosor (29.18), e que certamente foi seguido por Alexandre, com sucesso completo, em 332 a.C. As colunas da tua força (11) seriam aqueles associados ao culto a Melcarte, o deus de Tiro. As ilhas (15) são as costas e as ilhas do Mediterrâneo com as quais comerciava Tiro. Farei-te descer com os que descem à cova (20). Tiro seria rebaixada até o Seol. Em lugar de estabelecei a glória na terra dos viventes (20), a Septuaginta diz: “não permanecerá na terra dos vivos”, o que está mais de conformidade com o contexto.

Lamento sobre Tiro (27.1-36)

A elegia propriamente dita (3-9,25-36) assemelha Tiro a um navio equipado luxuosamente, carregado de mercadorias, que naufragou devido a uma tempestade e que foi lamentado por aqueles que tinham investido capital nele. A seção central (9-25), que descreve o comércio de Tiro, não mantém essa imagem; porém, isso não é razão suficiente para negarmos sua autenticidade. O capítulo inteiro muito influenciou o autor do livro de Apocalipse, que aplica suas imagens ao império anticristão de seus próprios dias (Ap 18).

Nos versos 25-27 é retomada a imagem principal do poema; o ótimo navio que é Tiro naufraga e toda a sua tripulação perece. Quanto ao vento oriental (26) Sl 48.7; mas talvez seja uma alusão à Babilônia. Os versos 29-34 descrevem a lamentação dos marinheiros em vista da perda de Tiro. Ap 18.17-19. Os moradores das ilhas (35) é frase que pode referir-se particularmente aos mercadores dentre os povos (36); vers. 3. Quanto às lamentações dos reis e dos negociantes, Ap 18.9-17. Lamento pelo rei de Tiro (28.1-19)

O príncipe de Tiro (Itobal II) é invocado aqui (2) como representante da cidade; sua auto-exaltação ao estado de divindade é típica do orgulho do povo. A posição inexpugnável da cidade, sobre uma rocha, relembra-o sobre o monte místico de Deus (14,16); assim como Deus reina supremamente ali, tão seguramente sentia-se o rei ali, entronizado no meio dos mares (2). A morte (no original, plural intensivo) dos traspassados (8) não seria acompanhada de sepultamento. Visto que os fenícios praticavam a circuncisão, a morte dos incircuncisos (10) era algo vergonhoso, envolvendo uma posição desonrosa no

Seol.

No devido contexto, a profecia de Ezequiel contra o rei de Tiro parece conter uma referência velada a Satanás como o verdadeiro governante de Tiro e como o deus deste mundo (2Co 4.4; 1Jo 5.19). O rei é descrito como um visitante que estava no jardim do Éden (v. 13), que fora um anjo, querubim ungido (v. 14), e uma criatura perfeita em todos os seus caminhos, até que nela se achou iniqüidade (v. 15). Por causa do seu orgulho pecaminoso (v. 17), foi precipitado do monte de Deus (vv. 16,17; Is 14.13-15).

Capítulo 5 Introdução ao Estudo do Livro de Daniel Introdução

Daniel, ainda muito jovem, começou servindo fielmente a Deus em terra estranha. Levou uma vida imaculada em meio ao paganismo, idolatria e ocultismo da corte babilônica. Foi semelhante a José em piedade e pureza. Seguiu para Babilônia como cativo, na primeira leva de exilados de Judá, em 606 a.C., quando tinha entre 14 e 16 anos de idade.

Ali viveu no palácio de Nabucodonosor, como estudante, estadista e profeta de Deus, atravessando o reinado de todos os reis babilônicos, exceto o primeiro deles - Nabopolassar, pai de Nabucodonosor, fundador do neo-Império Babilônico. Chegou ao Império Persa, sob Ciro (6.28; 10.1). Prestou cerca de setenta e dois anos de abnegados serviços a Deus e ao próximo.

Posição no “Cânon”

Na Bíblia hebraica o livro de Daniel se encontra na terceira divisão, os Hagiographa, e não na segunda, na qual aparecem os livros proféticos. A razão disso não é que Daniel tenha sido escrito depois dos livros proféticos. Em algumas listas, pode-se observar, Daniel é incluído na segunda divisão do “cânon”. Entretanto, o motivo pelo qual Daniel veio a ser colocado na posição que atualmente ocupa depende da posição de seu escritor na economia do Antigo Testamento.

Os autores dos livros proféticos eram homens que ocupavam a posição técnica de profeta; isto é, eram homens especialmente levantados por Deus para servir de mediadores entre Deus e a nação, declarando ao povo as palavras idênticas que Deus lhes tinha revelado. Daniel, porém, não foi profeta nesse sentido restrito e técnico. Foi antes um estadista na corte de monarcas pagãos. Na qualidade de estadista, possuía realmente o dom profético, embora não tenha ocupado o ofício profético, e é nesse sentido, aparentemente, que o Novo Testamento o chama de profeta (Mt 24.15).

Portanto, Daniel foi estadista, inspirado por Deus para escrever o livro que tem seu nome, pelo que também esse livro aparece no “cânon” do Antigo Testamento na terceira divisão, entre os escritos de outros homens inspirados que não ocuparam o ofício profético. Propósito

No monte Sinai, no deserto, o Deus do céu e da terra depositou Sua afeição de modo peculiar sobre Israel, escolhendo essa nação para ser Seu povo e declarando que Ele seria seu Deus. Dessa maneira entrou em relação de concerto com Israel, manifestando tal relação por um poderoso ato de livramento. Seu propósito para com essa nação era que ela fosse um “reino de sacerdotes” e que Deus fosse seu governante. Assim foi estabelecida a teocracia (governo de Deus). Israel deveria ser uma nação santa, uma luz para iluminar os gentios e dar testemunho do conhecimento salvador do verdadeiro Deus a todos.

Israel, todavia, não foi fiel a esse alto propósito. Depois que já se achava por algum tempo na Terra Prometida, exibiu insatisfação com os princípios fundamentais da teocracia ao solicitar um rei humano, para que fosse semelhante às nações ao seu derredor. Em primeiro lugar lhe foi dado um homem mau como rei, e então um homem segundo o próprio coração de Deus. Davi, entretanto, era homem de guerra, pelo que não foi senão durante o reinado pacífico de Salomão, em que o templo, o símbolo externo do reino de Deus, foi edificado. Após a morte de Salomão rebelaram-se as tribos do norte, renunciando às promessas da aliança. Dessa ocasião em diante, tanto nos reinos do norte como do sul, a iniqüidade passou a caracterizar o povo, pelo que Deus anunciou Sua intenção de destruí-los (Os 1.6; Am 2.13-16; Is 6.11-

12, etc.).

Os instrumentos que o Deus soberano empregou para realizar Seu propósito de fazer um ponto final na teocracia foram os assírios e babilônios. Sob o poder dessas nações o povo teocrático foi levado em cativeiro, e o exílio ou período de “Indignação” foi iniciado (Is 10.25; Dn 8.19).

O próprio exílio foi seguido por um período de expectativa e preparação para a vinda do Messias. Foi revelado que um período de setenta vezes sete tinha sido determinado por Deus para a materialização da obra messiânica (Dn 9.24-27). O livro de Daniel, um produto do exílio, serve para mostrar que o próprio exílio não seria permanente.

Pelo contrário, a própria nação que havia conquistado Israel desapareceria da cena da história para ser substituída por outra e, de fato, por três outros grandes impérios humanos. Enquanto esses impérios estivessem em existência, entretanto, o Deus do céu erigiria outro reino que, diferentemente dos reinos humanos, seria ao mesmo tempo universal e eterno. O propósito de Daniel, por conseguinte, é ensinar a verdade que, embora o povo de Deus esteja escravizado em uma nação pagã, o próprio Deus é seu soberano e aquele que em última análise dispõe dos destinos, tanto dos indivíduos como das nações.

Essa verdade é ensinada por meio de um rico uso de símbolos e comparações, e o motivo dessa característica se encontra no fato que as revelações feitas a Daniel tiveram a forma de visão. O livro de Daniel, pois, pode assim ser chamado de obra apocalíptica, mas se eleva muito acima dos apocalipses póscanônicos. A única obra que pode com justiça ser-lhe comparada é o livro neotestamentário do Apocalipse. Essencialmente, Daniel exibe as qualidades de um livro verdadeiramente profético e suas comparações são usadas tendo em vista um propósito didático. Autor

O livro de Daniel é um produto do exílio e foi escrito pelo próprio Daniel. Podese notar que Daniel fala na primeira pessoa do singular e assevera que as revelações foram feitas a Ele (Dn 7.2,4 e segs.; 8.1 e segs. 8.15 e segs.; 9.2 e segs. etc.). Visto, entretanto, que esse livro forma uma unidade, segue-se que o autor da segunda porção (capítulos 7 a 12) deve também ter composto a primeira (capítulos 1 a 6). O segundo capítulo, por exemplo, é preparatório para os capítulos 7 e 8, que desenvolvem seu conteúdo de modo mais completo e claramente o pressupõem. As idéias do livro refletem um ponto de vista básico e essa unidade literária tem sido reconhecida por eruditos de diferentes escolas de pensamento.

Na Igreja Cristã tem sido tradicionalmente mantido, devido às reivindicações do próprio livro, que o Daniel histórico foi seu autor. A primeira dúvida conhecida a ser lançada sobre esse ponto de vista veio da parte de Porfírio de Tiro (nascido cerca de 232-233 a.C.), um vigoroso oponente do Cristianismo, que sustentava que essa obra era produto de um judeu que vivera no tempo dos macabeus. Durante os séculos XVIII e XIX, particularmente este último, a opinião de Porfírio parece ter ocupado posição proeminente no mundo erudito. Foi largamente mantido que o livro de Daniel fora escrito por um judeu desconhecido, que vivera no tempo de Antíoco Epifânio.

                               FIM


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APOSTILA A MINHA ESPOSA NÃO ME AMA MAIS

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